quarta-feira, 19 de novembro de 2008

3. A luta continuada

Camping frente à AR, Outubro de 2006.

É uma luta continuada, a dos bolseiros de investigação científica. Se no 4 falei do privilégio de viajar, nem tudo são rosas. Nem um privilégio necessário compensa a falta de direitos básicos de um grupo de cidadãos que trabalha para o bem estar e desenvolvimento das sociedades em que está inserido.

Os jovens investigadores não têm, por exemplo, direito ao regime geral de segurança social, nem baixa por doença, subsidio de desemprego, etc. Mas não me vou aqui alongar sobre isso, escrevi um artigo de opinião recentemente no Público cerca deste assunto.

A ciência não interessa para nada. Até ao dia que uma eventual mutação num vírus da gripe ameaça a saúde pública. Ou uma linha de alta tensão. Ou as radiações dos telemóveis. Mas a importância da investigação, e consequentemente das condições dos recursos humanos que nela trabalham, não é percepcionada de um modo muito imediato pela sociedade. Por isso, a luta dos jovens investigadores não se faz de grandes saltos, como se os camionistas entrassem em greve. Faz-se degrau a degrau.

Eu acho que também faz parte, para quem faz um doutoramento com uma bolsa, ajudar a subir uns degraus desta escada.

10, 9, 8, 7, 6, 5, 4

terça-feira, 18 de novembro de 2008

4. Viagens na minha tese

É de facto um privilégio os investigadores terem oportunidade de viajar para ir a conferências, encontros da rede de trabalho, etc. É justificado na medida em que faz sentido trocar experiências com pessoas que trabalham no mesma área que nós, especialmente quando esta vai sendo inventada todos os dias. Não fui a tantas conferências e encontros quanto poderia. Mas de quase todas trouxe qualquer coisa de interessante, que nalguns casos se passou a utilizar no laboratório em Oeiras.

Às vezes esta oportunidade e quase obrigação de viajar não parece tanto um privilégio. Por exemplo, fui umas cinco vezes a Hamburgo e posso dizer envergonhadamente que não conheço Hamburgo. Invariavelmente apanhei um táxi no aeroporto para o sincrotrão, para depois passar vários dias num túnel a fazer experiências com raio-X e cristais de proteínas a 173 graus negativos, dormindo e alimentando-me quando era mais conveniente para os cristais, para voltar a enfiar-me num táxi directo para o aeroporto. O mais que me aproximei de Hamburgo foram os arredores. Peguei numa bicicleta, mas não consegui chegar ao centro, tinha que voltar para os meus cristais, o recreio tinha acabado. Mas sei que Hamburgo tem uma zona portuária magnifica e uma rua só com prostitutas. Nunca vi nada disso, mas contaram-me! Um dia hei-de lá ir. Mas para a próxima, apanho o autocarro.

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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

windoze

Fui buscar um computador dos meus tios, após uma reparação. O disco rígido tinha sido formatado e o windoze instalado de raiz como consequência da intervenção. Resolvi fazer as actualizações de sistema.

Primeiro impacto: para ligar o computador à rede sem fios tive que introduzir a chave da rede duas vezes. Uma, mais a confirmação. A minha chave de segurança são 26 caracteres aleatórios. Noutro sistema operativo, se me enganar à primeira repito a chave com mais atenção e pronto. Mas assim é mais democrático: quer me engane quer não me engane, digito os 26 caracteres duas vezes.

Como não utilizo o windoze há muitos anos recorri à ajuda do sistema para encontrar o windoze update. A aplicaçãozinha de ajuda "crachou" duas vezes! Tive que fazer o ctrl-alt-del para matar o programinha que "não estava a responder", operação e léxico familiares do tempo em que usava o windoze!

Como é possível que numa instalação limpa do windoze (ainda sem rigorosamente mais nada instalado) "gele" um componente do próprio sistema operativo?

Lá consegui fazer as actualizações, não sem antes ter que registar um .dll manualmente. Entre cada grupo de actualizações, o windoze lá me informava que era preciso "reiniciar o sistema", ecoando em seguida aquele som caracteristico do windoze a arrancar, tal sino da igreja de quarto em quarto de hora.

Quanto mais conheço o windoze mais gosto de máquinas de escrever e ábacos...

Quero terminar com uma palavra de esperança: há vida para além disto, o Linux é de graça! Pode-se descarregar gratuitamente ou até receber um CD em sua casa, que não paga nem os portes de correio!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

5. O mundo a 173 negativos

É um certo paradoxo, a razão pela qual nos damos ao trabalho de arrefecer cristais de proteína antes de os expor a um feixe de raio-X de alta intensidade.

Quanto mais intenso é o feixe de raio-X, mais detalhes conseguimos saber da estrutura da proteína que constitui o cristal. Mas o feixe de raio-X também vai destruindo o cristal. Para contornar este paradoxo, fazemos as experiências a 173 graus negativos. Porque a esta temperatura (obtida graças a uma corrente constante de ar seco, arrefecido com azoto líquido) tudo é mais lento. Nomeadamente os processos de danos por radiação.

"Carrossel" com 10 tubos contendo cristais de proteína mergulhado em azoto líquido.

Cada cristal é pescado da gota em que cresce, com um loop muito pequeno (semelhante a um laço à cowboy com alguma décimas de milímetro) e mergulhado em azoto líquido. Antes, como um cristal de proteína tem cerca de 50% de água, temos que a tirar lá de dentro. Senão acontece o mesmo que a uma garrafa de água cheia que se coloca no congelador: aumenta de volume e parte. Substituímos a água no cristal por outro líquido que não aumente de volume quando congela. Em geral, glicerol (tem de ser uma molécula pequena, para poder entrar nos canais de solvente do cristal).

Operações triviais à temperatura ambiente passam a requerer uma certa técnica e cuidado, para não descongelarmos o cristal e não nos queimarmos com o azoto líquido.

Pescamos o cristal, mergulhamos em azoto líquido, encaixamos a base do laço à cowboy num pequeno tubo de plástico e guardamos. A partir de aqui, tudo tem que ser feito num banho de azoto líquido. Encaixar e desencaixar a base magnética, colocar o tubinho num carrossel para poder ser medido, encaixá-lo numa peça de metal para ser transportado num termo em azoto líquido. Usam-se pinças e varinhas magnéticas para fazer estas operações. Porque não podemos simplesmente pegar na tampa do frasquinho e desenroscá-la com os dedos mergulhados em azoto líquido.

É o mundo a -173ºC

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terça-feira, 4 de novembro de 2008

6. Cristais e outros que tais

Não é fácil fazer cristais de proteína, porque as coisas têm tendência a existir de um modo desorganizado, e um cristal é uma forma da matéria em que as moléculas estão todas o orientadas da mesma maneira e distribuídas a distâncias regulares pelas três dimensões.

O principio é ter a proteína numa solução e ir lentamente retirando a água. A proteína está dissolvida porque há moléculas de água que estabilizam as suas cargas de superfície. Quando as moléculas de água disponíveis escasseiam, as proteínas juntam-se umas às outras e acabam por passar ao estado sólido na forma de agregados. Em condições especiais, juntam-se de um modo organizado e fazem uma rede, semelhante a um painel de azulejos em três dimensões. Isso é um cristal.

Cristais de proteína

Como não sabemos à partida em que condições isto acontece experimentamos muitas coisas. Diferentes aditivos que competem pelas moléculas de água, concentrações de proteína, etc. Tantas que até temos robôs para ajudar.

Estas experiências são feitas em pequenas gotas, que evaporam muito lentamente num ambiente fechado. O resultado mais comum não é um cristal, mas sim um precipitado amorfo, sem utilidade para caracterização por raio-X. Quando finalmente encontramos condições em que a proteína cristaliza é quase como descobrir a combinação de um cofre.

O robôt de cristalização

As gotas feitas pelo robot têm um volume de 300 nanolitro (um nanolitro é um milhão de vezes mais pequeno que um mililitro), por isso temos que procurar os cristais através de uma lupa que aumenta 200 vezes. Não é uma lupa à detective, tem um aspecto semelhante a um microscópio, com duas oculares. A diferença entre uma lupa e um microscópio é que a lupa só tem uma lente e o microscópio óptico tem duas. Como consequência numa lupa conseguem-se ver as coisas em três dimensões e num microscópio não, pois os planos ficam todos compactados. Mas um microscópio, multiplicando a capacidade de aumento de duas lentes, aumenta significativamente mais.

Lupas para observação de cristais do Laboratório de Cristalografia do ITQB

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