domingo, 27 de julho de 2008

A montanha e o rato

"Uma montanha que pariu um rato... Na linguagem popular esta expressão tem um sentido pejorativo. Descreve uma decepção: fez-se um grande alarido e muitas ondas por uma ninharia. Se se tomar em consideração a matéria em jogo, pode-se compreender esta fórmula. Mas se nos colocarmos de preferência no plano da riqueza da organização, a situação inverte-se. Apesar dos seus milhões de toneladas de rocha, uma montanha nada sabe fazer. O rato, pelo contrário, com algumas dezenas de gramas de matéria, é uma maravilha do universo. Vive, corre, come e reproduz-se. Se um dia uma montanha parisse um rato, poderíamos pensar estar perante o mais extraordinário dos milagres...."

Hubert Reeves, em "Um pouco mais de azul"

Comentou o picuinhas nesta caixa que, para além do balanço que fiz da candidatura, "ainda houve o blog". É verdade. É uma parte nada desprezável desta aventura. Criar este espaço e nele partilhar as diversas coisas que se iam sucedendo (às vezes não sucedia nada e eu escrevia posts aleatórios sobre alpinismo!) foi muito gratificante. Chegaram-me pessoas interessantes e cheguei-lhes também.

É importante falar sobre a Sílvia, com quem fiz equipa em momentos significativos. Fomos juntos à Festa das Estrelas, onde falámos com jovens de escolas secundárias envolvidos em projectos de astronomia. Explicámos por várias vezes que não éramos astronautas nem tínhamos feito nada de especial. No final, uma rapariga pediu-me que autografasse uma pequena oferta que o nuclio tinha para ela e que eu lhe entregava. Que fazer? Hesitei, acedi. Seguiu-se o autografo da Sílvia. E depois todos quiserem os autógrafos de ambos. Isto faz muito sentido? Não. Veio algum grande mal ao mundo, subiu à minha cabeça ou à da Sílvia? Também não.

Também graças à visibilidade deste blog (por ser convidado do Público) fomos convidados para ir à Sic Mulher, ao programa Mundo das Mulheres. Eu e a Sílvia. 25 minutos de conversa com a Adelaide de Sousa, sobre o sonho de ser astronauta. Em directo. Alguma adrenalina e nervoso miudinho, mas no final o balanço é positivo. Divertimo-nos imenso.

Vou ainda ao Rádio Clube Português, programa Toda a Tarde. 40 minutos de amena cavaqueira com o Marcos Pinto, intercalados com o Lost in space dos Lighthouse Family e o Walking on the moon dos Police.

Pode-se dizer que a montanha pariu um rato. Gostaria que fosse verdade. Seja o que for que pariu, o parto foi muito divertido!

sexta-feira, 25 de julho de 2008

"Entrámos bem na candidatura"


Obviamente que gostava de ter ido um bocadinho mais longe, mas uma candidatura é mesmo assim. Entrei no processo de selecção pelo processo de selecção, já sabia que havia dois resultados possíveis. Também há que dar mérito aos outros candidatos e desde já dou os meus parabéns e desejo a melhor sorte aos portugueses que passaram à fase seguinte.

A verdade é que esta pequena peripécia, mesmo que fugaz, foi uma aventura que valeu por si. O processo de decidir candidatar-me obrigou-me a olhar para mim e a assumir uma demanda ambiciosa. Numa fase de mudanças profissionais como a que estou a viver, ter uma perspectiva grandiosa, ainda que improvavel, ajudou-me a manter a motivação e optimismo em alguns momentos. [Por muito parvo que isto pareça].

Não me sinto triste, sempre disse que entrava neste jogo sem grandes expectativas e é verdade. Mas também não seria honesto não admitir que esperava chegar um bocadinho mais longe.

Mais sobre o futuro deste espaço será divulgado em breve.

no-reply

Dear Mr Marçal,

On behalf of the European Space Agency, I wish to thank you for your application and interest in joining the European Astronaut Corps.

I regret to inform you that after very careful consideration, it has been decided not to retain your application for the post of Astronaut. However, should you not object, we would like to keep your file on record for other career opportunities at ESA and contact you if a post which matches your profile should emerge.

I would also like direct your attention to ‘Careers at ESA’ website in which we advertise all current external vacancies. You may also be interested in subscribing to our recently introduced job alert feature. In order to receive the regular updates on vacant positions at ESA, please click

http://www.esa.int/SPECIALS/Careers_at_ESA/index.html

and follow the link ‘Subscribe to ESA vacancy notices’.

On behalf of the European Space Agency, I wish you all the best for your further career.

Yours sincerely,

F.C. Danesy

Head, ESOC Human Resources Division

This is a no-reply email address. Please do not respond to this email.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Plano Z

Não tenho pensado muito na minha candidatura. Para além de não haver muito para pensar de momento, a minha cabeça tem andado ocupada com outras coisas mais terrenas. Isto de ser astronauta, na melhor das hipóteses, é projecto para daqui a um ano! Muito antes disso tenho que terminar a tese em contra-relógio e escrever um projecto de pós-doutoramento. Uma carreira ligada ao sector astronáutico não pode ser o meu plano A nem o meu plano B!

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Off again, gorgeous day!


(na ausência de novidades da ESA, mais uma história de alpinismo para embalar a espera)


O Everest sempre foi um íman para aventureiros que procuravam em demandas quase suicidas um sentido para a vida. Alguns foram sozinhos, outros aos 600 de cada vez, uns eram alpinistas experientes, outros não sabiam nada.

A história de Maurice Wilson é talvez a mais bizarra.

Em 1933 Maurice Wilson quis demonstrar que com uma mistura de fervor religioso e jejum conseguiria chegar sozinho e sem oxigénio suplementar ao cume do Everest. Em 1933 o Everest nunca tinha sido escalado, sozinho ou acompanhado, com ou sem oxigénio.

O plano era bastante simples: partir de Inglaterra de avião e ir por etapas até à base do Everest. Despenhar-se o mais acima possível nas encostas glaciares e continuar a pé, sozinho, até ao cume. Não sabia absolutamente nada sobre pilotar aviões ou subir montanhas. Preparou-se para a ascensão com cinco semanas de agradáveis caminhadas no countryside inglês. [What can possibly go wrong?]

Maurice Wilson com o seu avião Ever Wrest.

Comprou um avião. Precisou do dobro das aulas de pilotagem do que a média dos candidatos para obter uma licença de voo. Fez-se ao caminho e despenhou-se pouco depois da descolagem, o que obrigou a um atraso de três semanas para reparações. O Ministro do Ar proibiu-o de voar, mas nem isso o demoveu. Contra todas as expectativas (inclusive do seu instrutor de voo) chegou à Índia, onde o avião foi finalmente apreendido.

Falido, continuou a pé. Passou a salto para o Tibete, disfarçado de monge budista. Encontrou três sherpas da expedição de 1932 que concordam em acompanhá-lo na aventura.

No mosteiro de Rongbuk, com o Everest à vista, é recebido entusiasticamente. São-lhe facultadas cordas e tendas da expedição britânica do ano anterior e é abençoado pelo Lama superior. Não se demora. Volta ao caminho no dia seguinte, ao som da habitual oração da manhã. Escreve no seu diário que os monges rezavam por ele.

Chega ao glaciar sem crampons, piolets ou qualquer noção do que é a progressão em neve e gelo. Evita a morte miraculosamente durante algum tempo, mas o seu corpo é encontrado no ano seguinte a cerca de 7500 metros de altitude. A última entrada do seu diário é: "Off again, gorgeous day".

Em 2003 um alpinista encontra uma tenda antiga a 8500 metros e coloca-se a hipótese de ter pertencido a Maurice Wilson. Talvez Maurice Wilson tenha chegado ao cume do Everest. Isso faria dele não só o primeiro, como o primeiro sem oxigénio e a solo, antecipando 46 anos essa façanha. [O primeiro a fazê-lo e voltar para baixo foi Reinhold Messner].

Há um livro escrito sobre esta aventura, mas a única edição é de 1953 e não é fácil chegar a um exemplar.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Numa concha, é isto!

A informação do concurso da ESA para recrutar astronautas chegou-me e ao principio nem liguei muito. Andava ocupado com outras coisas, a escrever a tese, piadas no Inimigo Público e a preocupar-me com o futuro. É certo que gostava de ser astronauta, mas uma pessoa tem que se habituar à ideia de que talvez seja possível.

Um encontro casual e uma conversa inesperada pôs o assunto na minha agenda mental. Entrei em reflexão, ouvi as partes interessantes e interessadas, resolvi avançar. Fui fazer os exames médicos que os pilotos de avião fazem, fiquei à espera. Chegaram os resultados, aprovado, enviei para lá e a ESA deu-me a chave para abrir o formulário de candidatura. No fim do dia 16 de Junho de 2008 era oficialmente candidato. Um de 8413, de todos os países membros da agência espacial europeia. Para quatro vagas.

No dia 17 de Junho a ESA enviou-me um email a dizer que me dizia qualquer coisinha em seis semanas, para saber se passo à próxima fase, que é uma ronda de avaliação psicológica. Ainda não tive novidades. Posso supor que não sou suficientemente mau para ser excluído à partida nem suficientemente interessante para colheita à primeira passagem. Outra suposição que não seria disparatada, é a de que ainda não passaram seis semanas.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Claude, a alpinista feminista

Neste blog tenho misturado algumas coisas do imaginário do alpinismo. Talvez porque encontre uma relação entre a aventura de explorar uma montanha e a exploração espacial, mas sem dúvida porque também já coloquei uns crampons nas botas e me fiz às encostas geladas de mochila às costas e piolet na mão. Por vezes não sei como continuei, noutras voltei. Em 2005, ao regressar de uma tentativa falhada do cume do Montebranco pela via dos três colos (uma via muito longa do lado francês) vendi mentalmente todo o meu material de alpinismo no Ebay, enquanto me arrastava para a Aguille du Midi. Pensei em tudo: preços, descrições do estado e data da compra original, razões da venda. E foi assim que continuei a pôr um pé à frente do outro. Acabei por não vender nada e regressar aos Alpes mais duas vezes.

Apesar de não me poder de modo nenhum comparar aos alpinistas que mencionei neste blog, creio que tenho uma percepção mais objectiva da dificuldade dos seus feitos do que a maioria das pessoas. Depois dos posts sobre George Mallory e João Garcia, a Joana fez-me chegar um livro sobre Claude Kogan.

Claude Kogan era em 1954 uma alpinista francesa muito experiente, que integrava uma expedição ao Cho Oyu, um dos gigantes da cordilheira himalaiana. O homem que liderava a expedição decidiu que a tentativa de cume seria abortada e que a equipa regressaria. Claude não concordou e, nas suas palavras, sentiu-se "a ferver com uma raiva impotente". Cinco anos depois regressou ao Cho Oyo para liderar uma expedição 100% feminina, em que nem o jornalista tenha autorização para passar de Katmandu. Apenas os sherpas podiam acompanhar. Claude, outra alpinista e dois sherpas acabaram por morrer debaixo de uma tempestade, em consequência de uma avalanche .

Nalgum balcão de taberna poder-se-ia ouvir "bem feito." Mas os corpos de todos os homens que permanecem nas encostas dos Himalaias atestam que Claude pode ter morrido por muita coisa. Mas não por ser mulher.

PS - ainda não tenho notícias da ESA, mas não passaram as seis semanas.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Hotel Baikonur

Na minha pele de cientista, uma das coisas que faço são cristais de proteínas. Simplesmente isso, pego nas proteínas, alinho as moléculas todas da mesma maneira, de modo a que se disponham de um modo ordenado, numa espécie de parede de azulejos em três dimensões.

Na verdade não é assim tão simples, implica utilizar um robot para experimentar centenas de maneiras de cristalizar a proteína, porque as proteínas, tal como as outras coisas, têm mais modos de existir num estado desordenado do que arrumadinho.

Houve quem se tivesse lembrado, que talvez as moléculas de proteína tivessem mais facilidade em organizar-se se não sentissem o próprio peso. E começaram a enviar proteínas para o espaço.

O Paco enviou-me algumas imagens da missão Andrómeda. Ele enviou proteínas até Baikonur, no Cazaquistão (de onde foi lançada a missão que levou Yuri Gagarini para o primeiro voo orbital). Foram à boleia na Soyuz, cristalizaram, estiveram 72 dias onde não há peso e trazidas de volta.

Laboratório improvisado num quarto de hotel em Baikonur

Cristais crescidos no espaço

(Obrigado ao Paco pelas imagens!)