segunda-feira, 2 de março de 2009

Expulsão de cérebros

Citação de João Sentieiro, Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia: "os bolseiros tem de se mentalizar que têm de ir lá para fora e isso não é mau para o País". Clique para ampliar a imagem.

Decorre amanhã, dia 3 de Março, uma Conferência Parlamentar sobre Ciência, promovida pela Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, presidida pelo deputado António José Seguro, na qual infelizmente não poderei participar por motivos de força previamente agendados. Passo a enumerar os painéis e respectivos participantes (entre os quais o supracitado):
Painel 1: A Ciência em Portugal: realidade e perspectivas
João Sentieiro (Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia), Lino Fernandes (Presidente da Agência de Inovação) e Ana Noronha (Directora Executiva do Ciência Viva).

Painel 2: A Ciência em Portugal: da produção à divulgação
Luís Portela (Presidente da BIAL), António Coutinho (Director do Instituto Gulbenkian de Ciência) e Vasco Trigo (Jornalista da RTP/Programa 2010)

Painel 3: A Ciência em Portugal: a rede pública de unidades de investigação
Alexandre Quintanilha (Secretário do Conselho dos Laboratórios Associados), Jorge Braga de Macedo (Presidente do Instituto de Investigação Científica Tropical/Universidade Nova de Lisboa) e Armando Cerezo Granadeiro Vicente (Director do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos)

Painel 4: A Ciência em Portugal: a dimensão internacional
Luís Magalhães (Presidente do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia), Pedro Russo (Responsável da UNESCO pelo Ano Internacional da Astronomia) e Ricardo Serrão Santos (Director do Departamento de Oceanografia e Pescas da Univ. dos Açores)
O debate sobre as questões de ciência é importante e a percepção pública e política da importância da ciência também. Mas sendo o debate na Assembleia da República tenho pena que estejam fora da agenda temas que deveriam ser discutidos, votados e alterados pelos deputados, nomeadamente as condições com que muito investigadores se deparam em Portugal.

Mais conversa menos conversa, os cientistas continuam em saldos. Há investigadores que continuam a ganhar 745 euros, os montantes das bolsas não são actualizados desde 2002 (perda de 18% do poder de compra) e não têm direito ao regime geral de Segurança Social (aquele que os outros não querem).

Claro que isto não é bonito.

É interessante que o jovem investigador brilhante cujo braço peludo aparece na fotografia em cima seguiu o conselho do cartaz que segura. Quando acabou o doutoramento mentalizou-se que tinha que ir lá para fora, onde lhe foram oferecidas condições impensáveis em Portugal. Por muito bons que sejam o clima e a gastronomia, após meses sem bolsa (porque também não há subsidio de desemprego) achou que estava na altura de pagar o buraco no cartão de crédito.

17 comentários:

Alvaro_C disse...

Parece que o choque tecnológico está em estado de choque, a acreditar nas últimos notícias:
http://dn.sapo.pt/2009/03/02/economia/portugal_consegue_salto_tecnologico.html

... por isso não me admiro que cientistas e outros estejam, eles sim, a dar o salto...

Anónimo disse...

Eu continuo a nao entender este tipo de propaganda dos investigadores portugueses ou em portugal. Se as condicoes de investigacao fossem melhores em Portugal, os investigadores portugueses nao iriam para o estrangeiro fazer parte da sua carreira? A saida para o estrangeiro e para ter condicoes financeiras melhores? Ou e acima de tudo para alargar o espectro de formacao e contacto cientifico ao nivel da comunidade internacional?
Concordo com a melhoria de condicoes. Nao entendo o que isso tem a ver com a internacionalizacao da sua carreira. Nos dias de hoje, investigadores "caseiros" dao-se mal geralmente, sejam eles de que pais forem. Mas claro, isso acho eu e talvez esteja errado.

David Marçal disse...

Concordo inteiramente que uma carreira de investigação hoje tem que ter uma perspectiva internacional.

E já agora acrescento que também não acho que seja reivindicavel que Portugal, de um momento para o outro, adquira condições comparáveis a outros países Europeus, como UK, França, Alemanha, etc. Tal como não é em muitas outras áreas.

Mas é possível melhorar.

BIC's a 745 euros? BD's com 980? Hiatos entre as bolsas sem rede (subsidio de desemprego, etc). Descontos para a Segurança Social pelo salário mínimo?

Há vontade de as pessoas ficarem em Portugal, ou regressarem, sempre tendo em conta que é realmente importante ter contacto e viver o contexto internacional de investigação.

Mas uma coisa é internacionalização voluntária e auto-motivada. Outra é isto.

Alvaro_C disse...

Aumento de bolsa com actualização pelo menos da inflação, concordo. Desconto para a SS também, penso alias que está previsto no regulamento de bolsa da FCT, a ser feito pela entidade de acolhimento (pelo menos é assim com as BDs em contexto industrial).
Mas, só para ficarmos todos com uma visão realista do que se pratica por aí nos tempos que correm para se comparar aquilo que vale a pena comparar:
- salário tipico de entrada para Engenheiro (em empresas que aparecem no Expresso e tudo..): 1500 EUR brutos, em dias bons...
Se o candidato tiver PhD muito provavelmente é mais, não pelo grau, mas muito provavel/ pela experiência e competência adicional.
Se a bitola comparativa for a grelha salarial dos Profs Universitários claro que 980EUR é pouco, mas um Prof auxiliar tem salario de entrada de 3100 EUR brutos... o que não é nada não senhor, mesmo nada mau. Para esse nivel de salario alguem na industria tem de ter já um track record sóilido, muito acima da média... Por alguma razão os relatórios da OCDE colocam os Profs do secundário e Universitário em Portugal numa posição bastante porreira no ranking de salarios de educação OCDE, isto claro está se tomarmos em conta o devido peso do PIB e paridade do poder de compra nas comparações... porque comparar em Euros com o que ganham os Finlandeses é sempre batota. Aí ganhamos e ganharemos todos mal face a qualquer comparação Europeia. Bolseiros e não bolseiros...

David Marçal disse...

Manyfaces são perspectivas muito interessantes, é sempre bom colocar números às coisas.

Clarifico apenas uma questão em relação à segurança social para bolseiros. O que está previsto no Estatuto do Bolseiro (uma lei aprovada na Assembleia da República, na qual se baseia o regulamento de bolsas da FCT) é o direito ao Seguro Social Voluntário (SSV).

Isto significa que os bolseiros não tem direito ao subsidio de desemprego e que as contribuições obrigatórias da entidade que concede a bolsa são feitas com base no salário minimo.

Se as bolsas já são baixas, por motivos de doença passa a ser uma fracção do salário mínimo.

Portanto, os bolseiros deveriam estar integrados no Regime Geral (como é apanágio do governo) e as entidades que concedem bolsas deveriam pagar a segurança social de acordo com o valor real da bolsa e não o salário minimo.

Qual é o racional ou a sustentabilidade política desta situação?

Anónimo disse...

David,

Tambem gosto de numeros (muito e por muitos motivos). Tens numeros para contrapor aos actualmente existentes?
Outra coisa para quem esta fora de toda a politica destes e de outros meandros: os docentes do ensino superior ja tem direito a subsidio de desemprego?
Finalmente: nao acho que a internacionalizacao em ciencia seja "auto-motivada" e "voluntaria". Acho que e "imposta" e "obrigatoria" para quem quer continuar na coisa. Como diria o gajo entre os bracos peludos: "eles *tem* de ir la para fora". Uma leitura que talvez valha a pena considerar.

Anónimo disse...

Resposta a minha ultima pergunta:
sim:
http://www.spn.pt/?aba=54&cat=12&doc=1669&mid=179

David Marçal disse...

Em relação às questões da motivação para a internacionalização, obviamente que não serão iguais em todos os casos.

E é verdade que com a especialização e o número limitado de grupos de uma determinada áres em países pequenos como Portugal, existem boas razões científicas para mudar de país, o que não será absolutamente voluntário.

Enfim, podem haver muitas razões. Mas "não posso pagar as contas e vivo numa precaridade absoluta" não devia ser uma.

Anónimo disse...

Concordo em absoluto com o teu ultimo paragrafo David. E por isso mesmo acho que a fazer cartazes, os bracos peludos deviam dar enfase ao fulcro da questao e nao a uma demagogia barata e mediatista. Ganha-se em seriedade e em adesao. Com cartazes como o do "faz boa viagem!!!" fica facil fazer ex-bolseiros rirem-se dos actuais bolseiros, quase com vontade de dizer "obrigado!", mesmo que concordem com o fundamental da questao e que tu agora, e bem, explicitas.

Alvaro_C disse...

não poder pagar as contas é uma motivação tremenda... a mesma que levou a emigração maciça no século XX para o Brasil e depois para a Europa.
Temo ter chegado a hora de mais uma migração. Com o trabalhinho feito por aqui nas últimas décadas ... só nos podemos queixar de nós próprios. Foram os Portugueses que fizeram este Pais, bolseiros incluídos, para o bem e para o mal.
Está em curso a Conspiração grisalha (aka: o último a sair que apague a luz):

http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5529.pdf

Anónimo disse...

Manyfaces, e com gajos/as como tu que o pais vai para a frente. Gostei.
Faltam e os numeros do contraponto. David, numeros!

David Marçal disse...

Estou a preparar um post cheio de números... em breve. E também vou sortear um fabuloso automóvel, está atendo ;-)

Vtrain disse...

Eu nao concebo um cientista/investigador sem que experimente varias universidades e grupos de investigacao incluindo estadias de pelo menos varios meses noutro pais. Parece-me que e' condicao sine qua non. De facto concordo totalmente com a frase "eles tem de ir la para fora".

Hoje com a ERA (European Research Area) deveriamos pensar na Europa como muitos investigadores fazem nos EUA. Como um espaco comum onde o mercado de trabalho cientifico nao e' global e' pelo menos quase.

Agora esta questao da ERA so' sera' possivel quando houver condicoes nao digo iguais mas pelo menos similares entre os varios paises. Digo condicoes de trabalho. Parece-me normal que um governo (por exemplo o portugues) que investe em formacao avancada de doutoramentos crie condicoes interessantes para trazer "estrangeiros" ou manter alguns dos melhores, dos que mais publicam, dos que melhor ciencia fazem.

Para mim o problema nao esta' na expulsao de cerebros mas na visao corrente em portugal dos governantes, quando a mim incorrecta, do que e' um investigador em formacao... ou mesmo do que e' um investigador doutorado.

Anónimo disse...

Subscrevo inteiramente o comment do Vtrain. Acho que exactamente por ai: apontar para que o estado encare a investigacao como ela e encarada em media ao nivel europeu. E que esse "encarar" se reflicta em particular nos contractos e montantes correspondentes. A proposta de numeros poderia ser um ponto de partida. Sei que o David esta a fazer contas... :-)

David Marçal disse...

Também me revejo inteiramente no comentário do Vtrain e não acho normal que um investigador queira ser "o maior lá do corredor todo".

Faz-me lembrar sempre a Ilustre Casa de Ramirez, do Eça. Um fidalgo, que vive numa torre, com o caseiro e a governanta. Lá fora não se consegue afirmar em nada, é fraca presença, ninguém sabe quem ele é. Qando passa os portões da sua propriedade, tudo se transforma. Todo ele exibi confiança e concretização, contando como pôs este e aquele na ordem enquanto a governanta lhe tira as botas. Para o caseiro e a governanta é bom acreditarem que servem um ser superior. De outro modo as suas vidas tinham menos sentido.

Infelizmente conheço alguns fidalgos da Torre nos corredores dos institutos e universidades portuguesas. São os maiores desde a secretaria até ao economato.

De qualquer forma, a afirmação em causa é bastante demagógica porque serve para menorizar o problema da falta de emprego científico em Portugal.

Ir buscar a questão da internacionalização da carreira neste debate até é bastante neutro. Se é bom para qualquer investigador (Português ou Alemão) conhecer outros contextos, também é necessário que Portugal consiga ter condições para empregar investigadores, sejam eles de que nacionalidade.

Resumindo, concordo inteiramente com o comentário do vtrain :-)

Anónimo disse...

Optimo que estamos de acordo tambem em relacao a parte demagogica... foi isso que me chamou a atencao quando vi o "anuncio publicitario"

Vtrain disse...

olha, tenho um nature :)

http://www.nature.com/nature/journal/v469/n7329/full/nature09665.html